domingo, 1 de maio de 2016

É suave a noite

(esta crônica da nome ao livro de Sonia Regina Rocha Rodrigues)

_Nut, a deusa da noite, estende seu manto negro para proteger o sono dos homens.
_Nut?
_Nut, a deusa da noite, cobre seus filhos com esse magnífico manto estrelado.
E enquanto minha tia falava, as últimas luzes do dia sumiram por trás da serra e escureceu. Era uma noite sem lua. Eu podia ouvir os vagalhões do mar e o farfalhar dos coqueiros soava mais alto. Milhares de sons apareciam com as trevas – sapos, corujas, mariposas em vôo. O mundo trocava as cores por sons. E a orquestração era magnífica.
Pude sentir os cheiros, que, à noite, ficam mais intensos. Lírios, camélias, damas da noite...e eu quase podia provar o mar no sabor salgado da brisa.
Ah! Como eu me sentia segura nos braços amorosos de Nut, que, nas minhas recordações, confunde-se com minha tia.
Por isso eu andava confiantemente pela casa às escuras, se acordasse com sede durante a madrugada. Por isso também era eu que, quando faltava energia, subia as escadas sozinho e ia à despensa buscar velas e fósforos.
_Tia, essa deusa Nut é de que país?
_Egito, meu amor.
_Aquele país das pirâmidos e dos desertos?
_E dos faraós.
_Da Esfinge.
_Das tempestades de areia.
_Dos oásis.
_Dos camelos.
E assim os temores que eu nem chegava a sentir transformavam-se em exóticas maravilhas.
Aprendi a amar a noite, e decifrar em seus cheiros e sons tão bem quanto nas cores e formas do dia.
É por isso que durante as horas mais negras, eu prossigo como quem atravessa uma tempestade de areia no deserto, na certeza de que as tempestades passam, e há sempre um oásis um pouco mais adiante.

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